sexta-feira, 23 de março de 2012

A Lei e a Consciência Ecológica


O ser humano, em nome de seu bem-estar, foi e continua sendo o maior predador da natureza. O mundo caminhava a passos largos rumo à destruição total por causa da irresponsabilidade do homem, que, como principal agente transformador, prejudica a natureza em nome do desenvolvimento. O emprego irresponsável da ciência e da tecnologia, como efeito da ganância manifesta em todos os sentidos e segmentos, sempre caracterizou as ações humanas em todo o mundo. 
O Homo sapiens – embora mera insignificância ontológica se comparado com a dimensão da biodiversidade cósmica –, levado por seus instintos predatórios, hedonismo e concupiscência, era, como ainda é, um ser embevecido tendente a ver somente o próprio umbigo. O resultado não poderia ser outro que não a destruição de rios, mananciais e florestas, com a extinção de inúmeras espécies de animais e plantas, cruelmente aniquiladas.  
Por tudo isso, vem em boa hora a busca verdadeira e quase desesperada de formação da consciência ecológica, que, não obstante o estágio em que nos encontramos, representa somente o começo. Apenas começamos a mudar de rumo. É muito, contudo, o que precisa ser feito pela preservação do planeta, acima de tudo, até como questão de sobrevivência. Não é balela nem exagero paraneico de ecologistas, é a realidade, que não poder ser ignorada. 
A Constituição da República pôs como competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios a proteção do meio ambiente e o combate à poluição em qualquer de suas formas, bem como a preservação das florestas, da fauna e da flora. Estabeleceu, demais disso, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem essencial à sadia qualidade de vida, o qual deve ser defendido e preservado, conjuntamente pelo Poder Público e a coletividade, para as presentes e futuras gerações. Bonito, muito bonito, mas não basta por si só. 
Muito boa é também nossa legislação infraconstitucional das três esferas de competência legislativa, federal, estadual e municipal. Mas não é só isso. É preciso cumprir o que está escrito, positivado na Constituição e nas leis. É necessária a efetividade, que demanda a consciência ecológica de todos, para cumprimento por convicção e não apenas por imposição estatal, à custa de cara e penosa vigilância. Ninguém vigia a todo o mundo o tempo todo, claro. Há, por conseguinte, ainda muita água para passar por baixo e por cima da ponte. “As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei”, já dizia com elegância Carlos Drummond de Andrade.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Justiça tardia, o péssimo exemplo do Supremo


Dia 17 de junho de 2011, fez 52 anos que foi protocolada no Supremo Tribunal Federal a Ação Cível Ordinária n.º 79, julgada pelo Plenário somente agora, dia 15 de março de 2012. Era o processo mais antigo em tramitação no tribunal. E o pior é que o caso começara bem antes, ou seja, em 1952, quando o Estado de Mato Grosso alienou terras públicas de forma irregular, por inobservância do que dizia a Constituição Federal de 1946, então vigente.

Pasmem! Para quem pensa que o Poder Judiciário é lento apenas no julgamento das ações de particulares, uma informação: a ação foi ajuizada pela União – pelo Governo Federal, para quem, porventura, ainda não entendeu. União, caro leitor! A União, meu caro jurisdicionado! E, como se isso não bastara, acrescente-se: o caso fora apurado por uma comissão parlamentar de inquérito do Senado Federal, concluída em 2 de julho de 1955.

O Supremo Tribunal Federal demorou mais de 52 anos para julgar improcedente uma ação que, em tudo e por tudo, deveria ter sido julgada procedente, se fora julgada em tempo razoável. Em face de fatos e mais fatos consumados, o tribunal foi obrigado a julgar improcedente, por causa da fática impossibilidade jurídica de desfazer os mais variados negócios jurídicos que seriam envolvidos pelo desfecho da lide, no caso de decisão pela procedência.  Haveria verdadeiro caos nos juízos e tribunais.

Parece ficção, brincadeira ou coisa que o valha, pois, de 1952 para 2012 são exatamente 60 anos, mas é verdade. Está tudo lá, escrito, na página oficial do Supremo Tribunal Federal, na rede mundial de computadores. O caso – sem exagero o digo – me faz emudecer, sem ter o que comentar. Dizer o quê? Sinceramente, nada – exatamente nada, coisa alguma – justifica tamanha demora, muito mais extensa do que muitas vidas. Milhões de pessoas nasceram, cresceram, envelheceram e morreram nesse período.

Puxa vida! Uma das muitas lições inesquecíveis de Rui Barbosa é que justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Toda a comunidade jurídica brasileira a conhece, pois Rui a deixou registrada na “Oração aos moços”, dirigida a bacharelandos da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, que, por rara felicidade, o escolheram para a derradeira aula.

Ah, não sei, não. Que diria, se ainda estivesse entre nós, ao ver tamanho despropósito o inexcedível Rui Barbosa? Logo ele, cuja atuação na maior parte de sua vida se deu, como advogado e político, exata e respectivamente perante o Supremo Tribunal Federal e o Senado da República! Teria ele, por certo, um infarto fulminante.


quarta-feira, 14 de março de 2012

O bem-estar e o hífen


Um grande amigo manifestou por “e-mail” dúvida sobre pôr ou não pôr o hífen na palavra “bem-estar”, pois, consultando as novas regras ortográficas, não conseguiu identificar o devido enquadramento. Respondi a ele que continuará com hífen, como era antes do Acordo de Ortográfico da Língua Portuguesa, de 16 de dezembro de 1990. E como, por falta de espaço e de tempo, no entanto, não lhe expliquei na ocasião o enquadramento, o faço nesta crônica.

“Bem-estar” é um substantivo composto, masculino, singular, cujo plural é “bem-estares”, que continua sendo escrito com hífen, após o Acordo, não só por enquadramento em uma das regras, mas por inclusão expressa da dita palavra, que é uma das muitas que constam expressamente a título de exemplos postos pelo texto do Acordo.

O texto do Acordo, para quem não sabe, foi organizado em 21 tópicos ou divisões chamadas tecnicamente de base e numeradas com algarismos romanos. Assim, vai da Base I, que tem por título “Do alfabeto e dos nomes próprios estrangeiros e seus derivados”, à Base XXI, cujo título é “Das assinaturas e firmas”. E a disciplina do emprego do hífen ocupa três dessas bases, a saber, da Base XV à Base XVII.

“Bem-estar” tem a grafia regulada pela Base XV – “Do hífen em compostos, locuções e encadeamentos vocabulares” –, que se divide em sete partes de numeração ordinal. “Emprega-se o hífen nos compostos com os advérbios ‘bem’ e ‘mal’, quando estes formam com o elemento que se lhes segue uma unidade sintagmática e semântica e tal elemento começa por vogal ou ‘h’”, diz a quarta dessas divisões. Após a regra, vem a ressalva de que o advérbio “bem”, ao contrário de “mal”, pode não se aglutinar com palavras começadas por consoante. Por fim, dá alguns exemplos das várias situações, dentre os quais se acha expressamente a palavra “bem-estar”.

O composto “bem-estar”, como se vê, é formado por dois elementos, o advérbio “bem” e o verbo “estar”, que deixam de ser duas palavras simples e passam a formar uma só palavra composta, ou seja, unidade sintagmática, com significado próprio, quer dizer unidade semântica, diferente do significado original delas. Eis a razão do hífen.

Nem tudo, porém, referente ao emprego do hífen ficou assim tão claro no Acordo, motivo por que discordo veementemente de suas regras, embora as respeite como lei que são. Mexeram onde não precisava mexer e ficou ruim. E, demais disso, a interpretação que a Academia Brasileira de Letras deu ao texto do Acordo, para elaborar o novo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, “data venia”, piorou a situação. A Academia, interpretando, retirou o hífen de muitas palavras das quais não deveria retirar.

Tal qual o Supremo Tribunal Federal é a autoridade máxima na interpretação da Constituição da República, a Academia Brasileira de Letras é a autoridade máxima em relação ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa e à interpretação de acordos sobre a língua. Isso, contudo, não nos tira o direito e a legitimidade de criticar, técnica, respeitosa e fundamentadamente, as decisões de ambas as instituições sobre esses assuntos.

A Academia, com sua interpretação do número 6.º da Base XV, retirou, por exemplo, o hífen dos compostos de três elementos, só o admitindo nas exceções expressamente previstas no texto do Acordo, que são: “água-de-colônia”, “arco-da-velha”, “cor-de-rosa”, “mais-que-perfeito” e “pé-de-meia”. Fora esses casos, palavras compostas de três ou mais elementos ligadas por hífen somente as designativas de espécies botânicas e zoológicas, conforme a regra do número 3.º, como, por exemplo: fava-de-santo-inácio, castanha-do-pará, mico-leão-dourado, andorinha-do-mar. Também alguns topônimos expressamente previstos no texto do Acordo, como, por exemplo: Trás-os-Montes.

Não vejo razão, por exemplo, para se escrever sem hífen o substantivo composto “dia-a-dia”, que assim se transforma na locução substantiva “dia a dia”, com a mesma grafia da locução adverbial de tempo “dia a dia”, de forma que somente o contexto as diferencia, tal qual passou a acontecer com o substantivo composto “tomara-que-caia”, que virou locução substantiva “tomara que caia”, sem hífen, bem como com tantos outros casos semelhantes nos quais não se deveria ter mexido. Penso, sinceramente, que não era necessário fazer o que fizeram nem em relação ao hífen nem ao trema. Teria sido muito melhor deixar como estava.

O Acordo, como já disse acima e em outras ocasiões, é lei e, como tal, de observância obrigatória. Por enquanto, é facultativo desde 1.º de janeiro de 2009, mas depois de 31 de dezembro de 2012 será obrigatório. Embora fosse facultativo fazê-lo, como continua sendo até agora, aderi às novas regras desde as primeiras horas de 1.º de janeiro de 2009. Isso, contudo, nunca significou concordar com elas. Entendê-las e empregá-las por ordenação estatal é uma coisa, concordar com elas é outra bem diferente.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Ministério dos Problemas sem Ministério


Sou fã do cronista Carlos Heitor Cony, já o disse e escrevi muitas vezes, nos meus bate-papos literários e nas crônicas que escrevo. Sim, sou admirador do Cony e de tantos outros cronistas, vivos e mortos. Daí o motivo por que visito diariamente a página da Academia Brasileira de Letras, na rede mundial de computadores. Também tenho inúmeros livros de crônicas, do Cony e de muitos outros cronistas da mesma estirpe.

Pois bem. Foi da crônica “Sonho de consumo”, de Cony, lida no sítio da Academia, que, como gosto de fazer, tirei o título da minha crônica de hoje, como aí acima se vê: Ministério dos Problemas sem Ministério (MPM). É uma sugestão do cronista carioca à presidente (detesto a forma presidenta) da República, dona Dilma: criar o ministério e, com ele, agraciar Tiririca. Hum, que interessante! Gostei da ideia e pensei logo em algo similar aqui, para nós, afinal Marabá tem o direito e o dever de estar sempre na vanguarda. Claro!

Meu medo (aliás, medo, não: receio, mero receio), como contribuinte e cidadão marabaense, é que um dia um alcaide nosso qualquer fique sabendo da sugestão conyana e aí, pumba! Vai que – tenha criado ou não muitas secretarias municipais, com atribuições parecidas com as desse ministério ou não, pois isso não vem ao caso – ele resolva criar a Secretaria Municipal de Assuntos sem Secretaria (Semas) e, com ela, fazer um mimo ao nosso Tibirica, político marabaense que também é artista. A mão e a luva, claro.

Não que eu tenha alguma coisa contra o Tibirica, não tenho. Meu receio e sérias preocupações no caso têm razões puramente financeiras, não são nem orçamentário-financeiras. São apenas financeiras, a dotação não é problema, a gente dá um jeito na hora nesse probleminha técnico. Basta, na mesma lei ou até mesmo em lei posterior, como sói acontecer, criar a respectiva dotação orçamentária – com código, denominação e expressão monetária, claro –, para suportar as despesas (aliás, suportar, não: custear é a palavra técnica ideal para o caso).

Aí já se viu: apenas mais um torneira, se com ou sem ralo não importa, com ou sem Tibirica. Uma coisa são os recursos orçamentários, a existência de dotação, que é questão meramente técnica; outra coisa bem diferente são os recursos financeiros, a existência ou não e disponbilidade do dinheiro, dos cum quibus, porque isso sobra sempre para um indivíduo, não raro muito simplório, chamado contribuinte. É ele e somente ele quem sempre paga o pato, a galinha ou seja que bicho for, de Rui Barbosa ou não.

O leitor, evidentemente, poderia dizer que não há motivo para preocupações, porque um prefeito assim e o Tibirica não rezariam pela mesma cartilha política. Sei lá, isso nada garante. Primeiro, o problema não é o Tibirica, até porque, conhecendo-o como o conheço, penso que ele não toparia, mas o gestor poderia lançar mão de outro político, amigo ou não. Segundo, em política se vê de tudo, ainda mais em ano de eleições. Os bois ficam voando sobre nossa cabeça e nós, ingenuamente, pensamos e dizemos que são pombos. Terceiro, a indubitável capacidade artística do Tibirica ficaria ociosa. Não, não dá! Estou brincando, mas é melhor a gente nem brincar com isso.