segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Feliz Ano-novo!


É véspera de 1.º de janeiro de 2013. O relógio do computador marca, precisamente, 21h25 quando começo a escrever esta crônica à guisa de mensagem de ano-novo ou ano-bom e também de ano novo. Sim, ano-novo e ano novo não são a mesma coisa, embora a hora não seja propícia para explicar a diferença. Outro dia, em outra crônica, se me lembrar de fazê-lo, a explico. A hora é de desejar felicidade: Feliz ano-novo e ano novo!

Meu desejo sincero é que para todas as pessoas de bem sejam felizes o ano-novo e o ano novo. Desejo, semelhantemente, que os maus recebam, na justa medida, o castigo que merecem. Penso, sinceramente, que o justo castigo dos maus seria o maior presente de ano-novo para as pessoas de bem neste início de mais um ano novo.

Não quero o mal para ninguém. Meu desejo é simples: justiça, o que, na definição mais simples, quer dizer sanção premial para os bons e sanção punitiva para os maus. Justiça, equidade, isonomia, já na insuperável lição aristotélica, significa dar a cada um o que lhe é devido.

As pessoas anseiam por justiça em todos os sentidos, porque estão cansadas da injustiça, da corrupção, da maldade, da falsidade, da mentira, do que não é bom. Todo ser humano leva consigo mesmo o conhecimento, em maior ou menor intensidade, do que é bom e do que é ruim. Fora aqui, portanto, a discussão sobre a relatividade dos conceitos subjetivos, que é válida, mas não para esta hora! Todos sabem o que estou dizendo.

Nunca se fala tanto em felicidade quanto na véspera do Natal e na véspera do Ano-novo. Muitos o fazem da boca para fora, por mero modismo e com falsidade. Outros, ainda, também por mera imitação, sem atentar para o que dizem ou escrevem. Creio, todavia, que a maioria das pessoas realmente anseiam por felicidade nesses dias, a própria e a do semelhante.

Eu, não sei bem por que razão, talvez seja mesmo por rabugice, há muito ando descrente – não da justiça, da verdade e da bondade, valores tão necessários e que jamais se tornarão anacrônicos –, mas dos homens, das pessoas, das instituições. As pessoas são – na maioria, penso – ruins por si mesmas. Não creio, portanto, que 2013 venha a ser tão bom como queremos e que tenhamos a felicidade que desejamos.

A despeito de tudo isso, desejo sinceramente – do fundo do peito, do fundo do coração – muita paz, harmonia, alegrias, realizações e felicidade, para mim e para as pessoas de boa vontade. Feliz ano-novo! Que o ano de 2013 seja, para você leitor e para todos nós, um ano realmente melhor, cheio de paz, harmonia, alegrias, realizações e felicidade!

sábado, 22 de dezembro de 2012

A leitora e as minhas insignificâncias literárias


Manhã de 21 de dezembro de 2012 – sexta-feira, um dia comum tal quais o são os demais. Na Câmara Municipal de Marabá, porém, as circunstâncias dão ao momento características singulares, que sensibilizam, inquietam e forçam reflexões. A sexta-feira por si só, como último dia de expediente a anteceder o Natal, faz-se portadora de emoção e sentimentos especiais. E, mais do que isso, como se não bastara, o estertor de uma legislatura para o início da outra faz aflorar insegurança e apreensão nos servidores sem vínculo funcional efetivo com a Casa, os ocupantes de cargo em comissão. Não é só isso, mas chega, basta!

É terrível isso! É o medo personificado em compasso de espera, a comovente angústia do servidor diante da insegurança que apavora e quase mata. É muito cruel a incerteza. Há, por outro lado, a alegria e esperança de outros, por motivos diversos. É a vida como sempre, enquanto uns cantam outros choram. Advogado que sou, fui consultado, desde o primeiro momento, por vários colegas, todos eles com dúvidas sobre a situação funcional em face da mudança de legislatura. Orientei e, no que pude, tranquilizei a todos.  

 Conheço – já de muitos outros carnavais – essa aflição do servidor comissionado, sempre à mercê da variação humorística de quem teve o poder para sua nomeação, mas também o tem para a exoneração, a qualquer momento e ao bel-prazer. A angústia maior dos servidores comissionados é a natureza jurídica de demissíveis “ad nutum”. Como disse certa vez, com a ironia e a sapiência que lhe são peculiares, o então senador da República e ministro da Justiça Jarbas Passarinho, são nomeados em português e demitidos em latim.

Depois disso, a conversa um pouquinho mais demorada com a colega Jane da Silva Palmeira, que faz referência especial à crônica “Caçar emboança”, publicada na edição 27 (dezembro de 2012 a janeiro de 2013) da revista “Foco Carajás”, e fala do prazer de ler as minhas crônicas. Foi uma conversa muita boa, revigorante para mim, embora tenha sido tão rápida, porque estávamos no corre-corre do expediente. É muito bom isso e tem valor inestimável a manifestação afetuosa do leitor!

Lembrei-me da sábia entrevista que o escritor haitiano, há 36 anos exilado no Canadá, Dany Laferrière concedeu à revista “Metáfora”, edição 14 (novembro de 2012). Laferrière afirma que a literatura é uma relação de amor entre as pessoas e lembra, por exemplo, o tempo de criança, em que ficava sentado à entrada da casa, vendo a avó dar café aos transeuntes. Segundo ele, ela enchia a garrafa térmica de café e o oferecia às pessoas que passavam, simplesmente para poder conversar com elas.

À leitora que disse ter ficado uma hora e meia na fila de autógrafos, para poder falar com ele, ele consolou dizendo que esperara 25 anos, desde que começara fazer literatura, para que aquele momento de encontro entre os dois pudesse acontecer. O cara é nota 10! Só mais uma dele, para encerrar: “A literatura não se alimenta de palavras, mas de sonhos. Às vezes, a gente faz romances com aquilo que contamos para os amigos.”

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A prisão em flagrante por qualquer do povo


Um dia desses, eu conversava com um amigo sobre certa atividade pública que, tanto em Marabá quanto nas demais cidades brasileiras, é uma fonte escandalosa de corrupção ativa e passiva – embora em Marabá, talvez, atualmente a situação seja acentuadamente pior do que em muitas outras cidades. Em dado momento da conversa, eu disse que daria voz de prisão em flagrante  ao corrupto, se me visse em uma de tais situações. Imediatamente, o amigo, admirado, me perguntou: “Doutor, advogado pode dar voz de prisão a alguém?” E eu, claro, respondi que sim, explicando-lhe a situação em que isso pode ser feito.

Existe diferença entre o poder e o dever: aquele, o poder, é faculdade; este, o dever, é obrigação. Isso vale para quase todos os segmentos da atividade humana, se não para todos. No campo de aplicação do Direito Penal e Processual Penal, no que diz respeito à prisão de quem é apanhado em flagrante delito, não é diferente. Uns podem prender, mas não são obrigados a fazê-lo; outros devem prender, ou seja, são obrigados a fazê-lo.

No artigo 301 do Código de Processo Penal, que foi totalmente recepcionado pela Constituição Federal de 1988 – a “Constituição Cidadã”, de Ulysses Guimarães – está escrito: “Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.”  

Qualquer do povo poderá prender em flagrante; as autoridades policiais e seus agentes deverão. Daí que existe o flagrante facultativo, quando se trata de qualquer pessoa do povo, e o flagrante compulsório, quando se trata de autoridade policial ou de agente da autoridade policial.

Se alguém comete um crime que o sujeita à prisão em flagrante e é preso por qualquer pessoa do povo, ou por policial civil de folga, ou por policial militar à paisana, ou por qualquer autoridade que não seja policial, a prisão será plenamente válida, devendo ser conduzido à presença de quem tenha autoridade para lavrar o auto de prisão em flagrante e adotar as demais medidas legais cabíveis. É uma questão de exercício da cidadania.

O cuidado que a pessoa do povo ou qualquer autoridade que não seja policial deve tomar é para não se expor ao risco, tentando efetuar a prisão. Se puder fazê-lo sem pôr a própria vida ou incolumidade física em risco, é bom que efetue a prisão. Se houver risco, deverá abster-se e comunicar o fato, com a urgência possível, à autoridade policial mais próxima.

Outro aspecto interessante que muitos não sabem – e por isso é bom que aqui se diga – é que a vítima, o próprio ofendido, pode efetuar a prisão em flagrante do infrator, sem que haja qualquer invalidez ou ilegalidade nisso. O ato da prisão será inteiramente válido e legítimo.

O problema é que, muitas vezes, quem não tem formação jurídica não sabe se o caso é de flagrante ou se não é. Há, porém, como todos nós sabemos, os casos e mais casos em que essa dúvida não existe, não tem razão de existir. E nesses casos qualquer pessoa do povo está autorizada a prender em flagrante o acusado, se puder fazê-lo sem se arriscar ou se expor a perigo.

Corrupto e corruptor são bandidos da mesma espécie, pássaros da mesma pena, e bandido é bandido. Se eu for vítima de corrupção ativa ou passiva e puder prender o corrupto, eu o prenderei, com firmeza e galhardia, porque isso, além de um direito de fazer, é um exercício nobre de cidadania. Não é somente a letra, é também o espírito da lei.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

As piadas do ordenamento jurídico brasileiro


Sou – talvez, na visão de alguns, até insolentemente – um crítico do Estado, não do Estado ideal ou utópico, que é necessário para o bem comum, mas do Estado omisso, corrupto e criminoso, que abandona e desampara à quase totalidade do seu povo. É o caso típico do Estado brasileiro, com sua singular predileção por criar engodos nos mais variados sentidos e apresentá-los como solução eficaz disto ou daquilo.

O Brasil é pródigo em ideias mirabolantes, levadas a efeito tão somente para enganar a quem credulamente acredita nelas. É um inventor de piadas, não raro de mau gosto, que apresenta como se fossem a invenção da roda. Eu já o disse muitas vezes e novamente o digo agora: tenho às vezes vergonha de pertencer duas vezes ao Estado, como agente público e como governado, uma vez que Estado é, na definição mais simples, povo, governo e território.  

É comum, por exemplo, a criação de leis que nada resolvem, embora sejam apresentadas com estardalhaço. Criam grandes expectativas, mas não passam disso, porque, concebidas sem a seriedade necessária, não são feitas para resolver, mas apenas para enganar mesmo. Cito, por exemplo, a Lei dos Juizados Especiais, o Estatuto do Desarmamento e a Lei Carolina Dieckman. Poderia citar muito mais, mas, para não ser cansativo, além de antipático (para alguns ou mesmo para muitos, quem sabe?), paro por aqui.

Sou advogado e sei o que digo. Os juizados especiais, tanto os cíveis quantos os criminais, criados e apresentados como a solução de quase todos os problemas da Justiça no que se refere à morosidade e outros aspectos mais, há muito estão emperrados, abarrotados de processos, com audiências a perder de vista e a dura realidade: prejuízo para o jurisdicionado. Não funcionam! O Estatuto do Desarmamento vale apenas contra as pessoas de bem: os bandidos continuam armados até os dentes. Não funciona! A Lei Carolina Dieckman trouxe muita expectativa para o leigo, mas, na prática do combate e prevenção de crimes, não traz quase nada. Não vai funcionar!

No caso da Lei Carolina Dieckman – que é a Lei n.º 12.737, de 30 de novembro de 2012 –, criaram-se, com estardalhaço e grande alvoroço, mais dois artigos no vetusto Código Penal de 1940, o artigo 154-A e o artigo 154-B, mas, na prática, repito, nada vai mudar. Sim, não vai: ninguém irá para a cadeia por causa dela. Ela criou mais um tipo penal, com várias hipóteses de incidência, o chamado “invasão de dispositivo informático”, mas a novidade para por aí.

Deixo de tecer maiores comentários por causa da exiguidade do espaço de uma crônica, sem embargo de voltar ao assunto, com outro texto, se for o caso. Fica, contudo, o registro. Se alguém pensava que tal lei levaria criminosos para a cadeia, pode tirar o cavalo da chuva: não levará! A Lei Carolina Dieckman é mais uma piada de mau gosto na seara penal, só isso. Se cadeia resolve ou não resolve, se inibe ou não inibe a criminalidade, isso já é outra coisa.

domingo, 25 de novembro de 2012

Homem é homem, menino é menino, macaco é macaco


Paro muitas vezes para, sozinho, tentar entender certas atitudes que tomo. Confesso que às vezes não é fácil me entender, embora só raramente me apanhe arrependido desta ou daquela atitude: não raro, concordo comigo mesmo, sem me incomodar muito com o que os outros pensam ou deixam de pensar. Isso, é claro, para muitos pode parecer, no mínimo, antipático, mas, tudo bem. Talvez eu não seja normal.

Sou homem e naturalmente tenho medos, angústias, anseios, alegrias, tristezas e outros sentimentos, muito embora não goste de ter medo. Talvez, não sei por que razão, não tenha aprendido ainda a lutar com meus medos, embora eles sejam tantos. A vida – paradoxalmente, penso – nos infunde tantos medos e não nos ensina a lidar com eles.

Refugio-me, na maioria das vezes, no Direito, até por causa da minha formação jurídica. Às vezes, também na Filosofia, na religião e na experiência de vida. Gosto muito da expressão “homem é homem, menino é menino, macaco é macaco”, cunhada pelo Falcão, numa de suas canções. Sou, aliás, admirador do Falcão, do Raul Seixas e dos Mamonas Assassinas. Não vejo mal nisso e pouco se me dá que alguém o veja.

Vejo muita sabedoria nas aparentes irreverências e tolices das canções desses cantores. Talvez, porque a cada dia mais me convenço de que a vida é curta demais, para ser vivida tão seriamente. Não vale a pena! Luto para não ser desonesto, mas, por vezes, já me vi, momentaneamente, envergonhado da minha honestidade. Novidade? Não, pois Rui Barbosa já previa isso. Aliás, eu penso que sou honesto. Talvez nem o seja e, em vez de honesto, seja bobo. Sei lá.

A expressão falconiana, em muitas situações, tem-me feito lembrar e decidir com a firmeza necessária o que tem de ser decidido. A razão é simples. Porque sou homem, não sou macaco e já não sou menino: decido como homem, racionalmente sempre que possível, mas também irracionalmente, às vezes. Por que não? Qual o homem que não erra? Se ele existisse, não teria interesse de o conhecer, porque o reputaria anormal. Isso, todavia, não isenta de severa punição o errar propositadamente. Não, isso é outra coisa.

Hoje, refleti muito, repensei situações e – racionalmente, mas com tristeza, como não poderia deixar de ser – tirei conclusões. Admiro a muitas pessoas, mas já não tenho herói: meu único herói já morreu, era meu pai. E é porque homem é homem, menino é menino, macaco é macaco que já não tenho herói, não confio na Justiça nem no Estado como um todo e tampouco na maioria das pessoas. Claro, sei que muitos também não confiam em mim. É a vida. Ai, que vida!...

Apesar de tudo, sou romântico e, como diz poeticamente Ayres Britto, um “seduzido pela beleza das coisas”. Embora, a desconfiar de quase tudo e quase todos, continuo a contemplar a beleza da praça, do rio, das árvores, da mulher, das crianças e dos animais, bem como a procurar ver sempre a justiça da causa do outro.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

“M” de maio, “m” de mãe, “m” de mulher



Um dia escrevi uma crônica que não foi publicada. Não foi, porque o jornal para o qual a escrevera especialmente não saiu, não veio a lume. Publico-a agora, porque com ela homenageio a mulher e, por conseguinte, a despeito de ter sido escrita para o mês de maio, será continuamente atual. Dizia assim (dizia, não, é claro: diz): 

É mês de maio, maio de 2012, para ser preciso, ser exato. Maio é o mês das mães e o mês das noivas, por conseguinte, o mês da mulher, o mês da beleza e do amor. Poderia falar da mulher tão somente como mãe. Ou como noiva. Ou avó, ou filha, ou tia, ou sobrinha. Ou como esposa, ou companheira, ou namorada. Ou apenas como mulher. Tanto faz, de qualquer forma, daria até para escrever um lindo e extenso livro. Poderia ainda, se quisesse, falar da mulher sob o ponto de vista antropológico, biológico, bíblico, jurídico, filosófico. E, fosse qual fosse a escolha, seria algo maravilhoso, gratificante. E daria para escrever um livro, um tratado. Talvez um dia – um dia muito feliz, para ser mais exato – ainda o faça. Talvez. 

Puxa vida, gostaria de escrever algo bonito, profundo, interessante. Sei lá, eu queria fazê-lo (queria, não: quero), porque a mulher, sob qualquer aspecto, o merece. Sei, todavia, que tudo que escrever será inexpressivo; até sem graça, talvez. Logo, a tarefa que me imponho é gratificante, mas, ao mesmo tempo, inglória. Queria expressar o que sinto (aliás, queria, não: quero), mas eu não sei, ou não consigo. Ou não quero. Sim, é isso, não quero. Já não quero dizer coisa alguma. Pronto. Não quero: calar-me-ei. Sim, farei como Camões: “Calar-me-ei somente, / que meu mal nem ouvir se me consente.” 

Pensando melhor, não é bem assim. Não quero me calar. Quero escrever, falar, dizer. Mas falar o quê? Dizer o quê? Escrever o quê? Sei lá!... Há tantas coisas, tantos aspectos da mulher que poderiam ser abordados, discorridos, dissertados. Penso difícil – quase propositadamente o faço. E não quero (mas não quero mesmo) discorrer, dissertar sobre coisa alguma, aspecto algum. Quero tão somente provocar. Sim, provocar os sentimentos de quem me lê, sua reflexão, sua ira, ou compaixão, ou alegria. Ah, sei lá o quê! Pense, reflita, medite. A mulher o merece. 

Eu, já há algum tempo, não levo a vida tão a sério. Fazer isso para que, se isso não me tem adiantado quase nada? Aliás, não é que não leve a vida a sério. Eu levo. No entanto, já desacredito de muitas coisas, já não confio em muitas pessoas e menos ainda em muitas e muitas instituições. Às vezes – quase sempre, aliás – é cansativo viver seriamente, sisudamente, crédula e honestamente. É empírico isso, conquanto aparentemente nada tenha que ver com as mães e as noivas, enfim, com a mulher. Mas tem, tem sim. Acredito, piamente, no amor de mãe. O amor de noiva é doce, indescritível; o amor de mãe, além de indescritível, é, sobre a terra, o mais puro e mais sublime. 

Ah!... Amo profundamente a minha mulher, Professora Câmelha Pereira dos Santos Souza, mãe do meu Daniel e do meu Samuel. Sem ela, eu seria tão somente uma pobre metade a vagar por aí tristemente, desoladamente, sem rumo e sem sentido. Acredito também que ela me ama, seus atos e atitudes do dia a dia involuntariamente me fazem prova disso. Devo também uma dívida impagável à mulher com quem convivi em união estável anos antes do meu casamento, dona Maria José Brito Correia, mãe do meu Douglas.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Um Dia das Crianças Diferente


 


Corria o ano de 2000, já quase no fim. Já não sei ao certo se 12 de outubro ou a véspera desse dia, cerca das 15 horas. Eu, já pai de dois filhos, morava detrás da Escola Estadual de Ensino Médio e Fundamental “Luzia Nunes Fernandes” e do Supermercado Marabá, Folha 28, bairro Nova Marabá, e voltava da Universidade Federal do Pará, onde cursava o penúltimo ano de Direito. Fora, como sempre, acudir às muitas atividades acadêmicas: estava cansado e um pouco desanimado, sob um sol ligeiramente nublado e aparentemente apático.

Uma rua e três casas antes da minha, encontrei uma criança, de mais ou menos dez anos, um menino, que chorava na via pública. Não gosto de ver criança chorando e logo me acerquei dele, indagando-lhe por que chorava, qual seu nome e onde morava. Jeferson era seu nome, morava na Folha 33 e estava indo à escola, mas entrara no Supermercado Marabá, para comprar uma borracha e caíra em desgraça: com fome, pegara um pacote de biscoitos e escondera na mochila, mas, pilhado pelos empregados do comércio, tivera apreendida a mochila, com cadernos e livros. E, para a devolução, exigiam-lhe – disse-me – o pagamento dos biscoitos ou a presença de seus pais.

Estava naturalmente aflito e, com instância, rogava-me a ajuda: não poderia faltar à escola naquele dia nem voltar para casa sem bolsa, porque o pai o castigaria severamente. Emotivo, quase chorei também. Era Dia das Crianças e ele deveria ganhar brinquedo, como tantas outras crianças. Mas, em vez disso, estava ali, humilhado e chorando. E o mais triste de tudo: não pegara um carrinho ou qualquer outro brinquedo, pegara biscoitos, sob o mover da fome, na sua inocência de criança!

Furto famélico? Crime de bagatela? Ah, nem isso! Apenas uma inofensiva e momentaneamente desventurada criança. O instinto paternal, embora nunca a tivesse visto antes, me fez sentir vontade de abraçá-la e confortá-la, mas me contive. Disse-lhe que se acalmasse e, dando-lhe o dinheiro para o pagamento, fiquei parado, no meio da rua, a aguardar o desfecho. Mas, que nada! Ele voltou, mais assustado ainda, porque não lhe aceitaram o dinheiro e queriam saber quem lho dera.   

Acompanhei-o ao supermercado, disposto a tomar-lhe as dores. A moça, toda afoita, veio logo me dizendo que ele furtara o biscoito e perguntando-me se era o pai dele. Respondi-lhe que morava ali perto e nunca o vira antes, mas lhe dera o dinheiro para pagar os biscoitos, porque o encontrara aos prantos na rua e não gosto de ver criança chorando. Além disso, com a gravidade necessária, chamei-lhe a atenção para os matizes cruéis do incidente. Era apenas uma criança e, naturalmente, poderia ter lançado mão de brinquedos, mas não fizera isso, apanhara tão somente comida, porque estava faminta.

Resolvido a comprar a briga, exigi a presença de um dos donos do estabelecimento, que eu conhecia de vista, e, enquanto aguardava, deliberei que, se houvesse qualquer resistência de sua parte, identificar-me-ia como estagiário de Direito, dir-lhe-ia que estávamos diante de um furto famélico e por isso eu lhe exigia a imediata liberação da criança, sob pena de eu chamar a Polícia e levar o caso ao Ministério Público da Infância da Juventude.

Felizmente, não foi necessário. A proprietária do supermercado concordou comigo e prontificou-se a levar de carro o menino à casa dos pais, não sem antes me garantir – diante da exigência que lhe fiz – dizer ao pai que, embora envergonhado, não castigasse a criança, mas apenas a aconselhasse devidamente e velasse para que não viesse a cair na reincidência. Nunca mais vi aquela criança, não sei se ainda vive nem o que faz na vida. Foi, contudo, uma experiência inesquecível.

sábado, 29 de setembro de 2012

Saudade de Xinguara




Xingu e Araguaia são rios da Bacia Amazônica. Claro, sei que todos o sabem ou, pelo menos, deveriam saber: nós, os habitantes da região, o sabemos pela vivência; quem mora em outros lugares o sabe pela Geografia. Mas, que tem isso a ver com Xinguara? A origem do nome “Xinguara”, que vem da junção do substantivo “Xingu” com a partícula “ara”, retirada do substantivo “Araguaia”. Deixo para outra crônica a etimologia de Xingu e de Araguaia.

O povoado surgiu com o nome de Entroncamento do Xingu e a sugestão do nome Xinguara foi de Walter Leitão Sampaio, servidor do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que também sugeriu “Comaxin”, formado de partículas dos substantivos “Conceição”, “Marabá” e “Xingu”. Walter, hoje falecido, era filho de Marabá e (anos depois, já aposentado do IBGE), foi meu colega na Prefeitura Municipal de Xinguara, de 1983 a 1985.

Pois bem. Xinguara é um dos meus amores, pois aí morei de 1980 a 1996 e, conquanto esteja em Marabá há dezesseis anos, jamais a esqueci, até porque, por uma série de razões, para mim é impossível esquecê-la: foi a cidade da minha mocidade, meu primeiro emprego, meu primeiro filho, meu casamento e tantas outras coisas mais. Faço minhas, sem mais pôr nem tirar, as palavras de Khalil Gibran, em “O Profeta”: “Como partirei em paz e sem sofrimento? Não, não deixarei esta cidade sem uma ferida na alma.”

Depois de tantos anos morando em Marabá, sempre que viajo para outra cidade, sou traído pelo costume ou, em outras palavras, tenho denunciado pela boca o coração: nas conversas em outros lugares, quando quero dizer “lá em Marabá”, involuntariamente, digo “lá em Xinguara”. É incrível, sim, porém compreensível, pois a Bíblia diz que “a boca fala do que está cheio o coração”. Está escrito lá em Mateus, capítulo 12, versículo 34.

Às vezes, por isso tudo, bate no peito uma saudade inefável, inexprimível. E aí, quando isso acontece, o único jeito é lançar mão do telefone e ligar para parentes e amigos de Xinguara. Ligo, por exemplo, com certa frequência, para a tia Neguinha (Maria do Carmo), mulher do meu tio materno Hiram Monteiro da Silva, o qual, tristemente prostrado de mal de Alzheimer, não fala com ninguém. Ligo também para vários amigos.

Foi assim ontem, 28 de setembro de 2012, quando, às 18 horas, falei com a tia Neguinha durante 8 minutos e 28 segundos (até que foi curta a ligação). Também foi assim hoje, lindo sábado ainda com os efeitos gostosos da chuvinha de ontem, quando, depois das 12 horas, falei com o Joãozinho (João Batista Pereira da Silva), meu amigo e ex-colega de trabalho na Prefeitura Municipal de Xinguara, e depois, com o Paulão (Paulo Gomes de Almeida), amigo e irmão de Maçonaria. Mais tarde, falei com o Hete Maom Tavares, morador de Imperatriz, mas nascido e criado em Xinguara.

Um registro muito interessante! Para a pessoa, as coisas são da forma que ela as quer ver, não importam as outras evidências. É sempre assim. O começo pode ser o fim, assim como o fim poder ser o começo: tudo depende da localização do observador. Pelo telefone, perguntei a meus dois amigos interlocutores a respeito da política eleitoral em Xinguara. Um me disse que o Prefeito será o Dr. Moacir, candidato da situação, o outro me disse que será o Osvaldinho, candidato da oposição. Ambos me deram, com racionalidade e certa ênfase, as razões de sua convicção. Mas, como sabemos, só há uma vaga para Prefeito. Logo, no mínimo, um deles está enganado e o tempo nos dirá quem é.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Bom Futuro e Boa Esperança



Já faz alguns anos – aliás, muitos anos –, aprendi um dos versículos da Bíblia Sagrada que mais falam ao meu coração. É o versículo 18 do capítulo 23 de Provérbios. Eu o aprendi em 1984, ano em que, por sinal, o escrevi no cartão de Natal enviado, de Xinguara, aos colegas da Agência Distrital de São Geraldo do Araguaia, onde eu trabalhara por quase dois anos e de onde o Prefeito me retirara contra a minha vontade. 

A Bíblia, todos o sabemos, tem muitas versões nas traduções para o português. Dizia assim, salvo erro ou omissão, a versão que aprendi: “Pois é certo que haverá um futuro, e a tua esperança não será aniquilada.” De lá para cá, tenho procurado encontrar uma tradução com essa versão, mas ainda não a encontrei. Presumo que se trata de uma das versões católicas, embora não tenha a certeza. A versão mais parecida que encontrei até agora foi a versão revista e atualizada no Brasil da tradução de João Ferreira de Almeida, que diz: “Porque deveras haverá bom futuro, não será frustrada a tua esperança.”  

Era o começo dos tempos malucos da minha juventude, em que – como escreveu no Facebook um dia desses meu amigo Liberato Diniz Barroso, lá de Belém –, tinha constantemente a palavra molhada por Baco. Era o começo dos tristes tempos etílicos, os quais, graças a Deus, já estão no passado e lá ficarão para sempre. Eu tinha 24 anos e passava por um período de tribulações, devido à embriaguez habitual de que era vítima. Bebia muito e era brigão, emboanceiro, como dizíamos no linguajar nordestino de meus pais e demais parentes, oriundos do Piauí e do Maranhão. 

Andava armado de revólver, dava tiros na rua e, várias vezes, em São Geraldo do Araguaia, tive problemas com a Polícia. Duas vezes, cheguei a ficar detido algumas horas.  Em uma, senti o desejo profundo de, depois que saísse, matar o sargento da Polícia Militar que mandara me prender. Cheguei mesmo a dizer ao meu superior na Agência Distrital que o faria. Na outra, também jurei para mim mesmo que mataria o soldado que me prendera.  Felizmente não o fiz. Eles saíram de lá algum tempo depois e nunca mais os vi. 

Não era evangélico, mas o texto dizia muito ao meu coração. O tempo passou. Deixei de beber e mudei de vida, embora isso não me tenha isentado de ter problemas. Converti-me ao evangelho, que “é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1.16).  A Bíblia diz que, “se alguém está em Cristo, é nova criatura: as coisas antigas já passaram” (2 Co 5.17). Sou um crente muito fraquinho e tenho tribulações, sim, mas as deponho ao pé da cruz de Cristo, meu Senhor e Salvador.  

Hoje, deitado e sem conciliar o sono, após rolar na cama, decidi levantar-me para ler e escrever. Resolvi ler a Bíblia, que já não lia havia algum tempo. Abri-a no livro de Provérbios e, mesmo sem o procurar, exatamente no capítulo 23, deparando-me com o texto tão amado. Daí a crônica, pois, a despeito de já passar das 2 horas da manhã – agora são 2h43, de 26 de setembro de 2012 –, não pude deixar de registrar o ocorrido. A Deus, e somente a ele, toda a honra e toda a glória!    

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Funções do Vereador e da Câmara Municipal



Interessam especificamente, neste artigo, as funções do Vereador, no plano individual, e as da Câmara Municipal, no plano coletivo. São necessárias, contudo, pequenas explicações introdutórias, com definições básicas, para que o leigo possa entender melhor o assunto. Com a sua permissão e sem muita pressa, portanto, prezado leitor.
 
Estado é a pessoa jurídica de direito público que tem povo, governo e território definidos. Não se confunde com a divisão territorial da organização político-administrativa – que pode ser chamada de departamento, estado, província, ou ainda outro nome que a Constituição do respectivo Estado lhe queira dar (como, por exemplo, Estado do Pará, Estado do Maranhão, e assim por diante). Com esse significado se diz, por exemplo, Estado Brasileiro: o Brasil é um Estado no plano internacional. 
 
O poder do Estado, inerente à sua própria razão de ser e existir, é uno. As funções do Estado decorrentes desse poder uno é que são divididas: função legislativa, função executiva e função jurisdicional, chamadas – convencional e didaticamente – de Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário. O Município, no Direito Brasileiro, só tem a função legislativa e a executiva, chamadas de Poder Legislativo e Poder Executivo: não tem a função jurisdicional, ou Poder Judiciário, atribuída tão somente aos Estados, ao Distrito Federal e à União.  
 
 Na lição clássica do Direito Administrativo, a Câmara Municipal é o órgão legislativo do Município; a Prefeitura, o órgão executivo. “No sistema brasileiro o governo municipal é de funções divididas, cabendo as executivas à Prefeitura e as legislativas à Câmara de Vereadores”, ensina Hely Lopes Meirelles, na obra sempre atual Direito Municipal Brasileiro. A Câmara e a Prefeitura não são pessoas jurídicas, pessoa jurídica é o Município.  
 
As funções da Câmara são as conferidas, explícita ou implicitamente, na Constituição Federal e, por determinação desta, na lei orgânica do Município. São a legislativa, a fiscalizadora, a de assessoramento e a administrativa. A função legislativa ou normativa é a de aprovar as leis municipais; a função fiscalizadora é a de fiscalizar e controlar, na forma mais ampla possível, dentro da Constituição e das leis, os atos do Prefeito, Vereadores e órgãos municipais; a função de assessoramento é a de fazer, também da forma mais abrangente possível, as indicações necessárias ao Prefeito e às autoridades estaduais e federais, quando for o caso; a função administrativa é a de administrar seu próprio pessoal e seus serviços. 
 
Todos os atos da Câmara Municipal – ainda que com outros nomes como, por exemplo, o de função julgadora – são decorrentes das quatro funções já citadas. O cidadão e, principalmente, o Vereador devem sempre se lembrar disso, até para que o Vereador não queira praticar atos da competência do Prefeito, enquanto se esquece das funções que lhe são próprias. Isso, aliás, acontece com muita frequência, principalmente onde as Câmaras não têm o assessoramento técnico-jurídico satisfatório, ou, ainda, onde o têm, mas não lhe seguem os pareceres e orientações.  
 
Todas essas funções são muito importantes, não há como nem por que negar isso. As mais importantes, porém – porque têm reflexo diretamente proporcional na vida do povo, bem como no progresso e desenvolvimento do Município – são a função fiscalizadora e a função de assessoramento, principalmente a primeira. Ninguém duvide: a função fiscalizadora é mais importante para o bem do Município e seu povo do que a função legislativa ou normativa. Nem todo dia é necessário fazer lei, mas é necessário fiscalizar: a fiscalização tem que ser eficiente e sem interrupção. Não tem responsabilidade com o próprio mandato nem com o eleitor o Vereador que negligencia a fiscalização do Poder Executivo e se preocupa em apresentar mais e mais projetos de lei.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Dom José Foralosso


Faleceu, dia 22 de agosto de 2012, o bispo emérito da Diocese de Marabá, Dom José Foralosso, italiano que viveu 32 anos no Brasil, como missionário da Igreja Católica Apostólica Romana. Segundo a imprensa, ficou internado, em estado de coma, mais de dois meses, desde junho, quando rezava a missa e sofreu o acidente vascular cerebral (AVC) que o mataria. E, como bateu a cabeça ao cair do altar, sofreu também o traumatismo craniano que, por certo, agravaria ainda mais a situação, levando-o a óbito.
 
Viveu cerca de doze anos em Marabá, onde chegou em 2000. Conhecia-o bem de perto, pelas muitas vezes em que o vi a participar de cerimônias diversas na Câmara Municipal de Marabá, na condição de bispo diocesano. A Câmara sempre o convidava para sessões solenes e atos como, por exemplo, a inauguração do novo prédio, e ele sempre comparecia, sereno, discreto e muito educado, atendendo ao chamamento do Poder Legislativo.
 
Não sou católico, sou cristão de confissão presbiteriana, membro da Igreja Presbiteriana do Brasil (já há algum tempo, aliás, perseguido e execrado pela igreja, porque sou maçom), mas eu o estimava. Cumprimentava-o na rua, no banco (nos encontrávamos com certa frequência no Banco do Brasil, agência da Marabá Pioneira) e até conversei com ele algumas vezes. Era um homem humilde e acolhedor, que não fazia acepção de pessoas, via-se isso nele.
 
A despeito da sua simplicidade, Dom José Foralosso não era um homem comum. Tinha autoridade eclesiástica, como bispo, e acadêmica, como doutor em Teologia, mas era humilde, muito humilde e falava manso. Conviveu, por isso, harmoniosa e pacificamente com os evangélicos, com os povos de outras confissões, como dá testemunho na edição 2.408 (23 e 24 de agosto de 2012) do jornal Correio do Tocantins, o pastor Sales Batista, presidente da Igreja Evangélica Assembleia de Deus.
 
Era um italiano que amava demasiadamente o Brasil e os brasileiros: seus atos, sua vida e suas declarações mais recentes comprovam isso. Dizia-se mesmo já mais brasileiro do que italiano, tanto que, ao pedir aposentadoria antecipadamente, declarou que não voltaria para a Itália, mas para Mato Grosso do Sul, de onde viera para Marabá. Lá gostaria de terminar seus dias e ser enterrado. Não quis, contudo, o destino que se cumprisse essa sua vontade: aqui adoeceu, faleceu e será sepultado.
 
Com o registro desta crônica, quero, na condição de brasileiro e até de cidadão do mundo, esquecidas as diferenças de fé e confissão, solidarizar-me no profundo significado da palavra ao rebanho católico apostólico romano da Diocese de Marabá, no meio do qual tenho inclusivamente grandes amigos, nesta hora de dor e desventura pelo desenlace de seu amado pastor. Eu creio, como cria o apóstolo Paulo, que o disse em carta ao jovem pastor Timóteo: “O Senhor conhece os que lhe pertencem” ( II Tm 2.19). Isso me basta.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

As ingestões diárias de medicamento e os outros


Alguns malucos – do meu convívio, ou de encontros aleatórios impostos pela vida –, às vezes, ficam a duvidar quando digo que tomo remédios oito, nove vezes por dia (já cheguei a tomar, no início do tratamento cardiológico, onze vezes diariamente). Vejo, não raro, a reação duvidosa, quando não de perplexidade, na cara deles. E, às vezes, isso me irrita profundamente. São nove vezes, sim: duas de carvedilol, uma de Aradois, três de ômega-3, uma de Diurisa, uma de Lipless, uma de digoxina. Haja dinheiro, disciplina e paciência, para tomar tantos remédios diariamente por tempo indeterminado!

Fico aborrecido mesmo e preciso contar mentalmente até dez e me controlar, para não dar uns safanões ou mesmo esganar um desses idiotas por aí. Tenho, a muito custo, conseguido me controlar até hoje, mas – não sei, não – corre o risco de, a qualquer a hora dessas, eu esganar um babaca desses que a vida faz atravessar o meu caminho.

Haja santa paciência, caramba! Eu não minto nem me automedico e, o mais importante que se deve observar, não sou doente do coração por querer. Tomo remédios porque, no acompanhamento cardiológico permanente que faço, o cardiologista os prescreve. Evidentemente, entre a orientação do meu cardiologista e a dos babacas que me cercam e ousam dar opinião sobre o que desconhecem, prefiro a dele. Ora, se o cardiologista, que estudou, não souber o que está fazendo, um maluco, que nunca estudou, vai saber?

Minha cardiopatia é idiopática, não teve a causa estabelecida. O cardiologista disse que pode ter sido um vírus ou uma bactéria que, caindo na corrente sanguínea, foi para o coração e causou todo o estrago. Pois bem, seu moço. Um dia desses, um abelhudo que se julga sabido (é formado em Matemática, mas é leigo em Medicina) teve a ousadia de me dizer que, para ele, doença do coração é decorrente de má alimentação. Fiquei muito zangado, claro, e respondi a ele que essa é a visão muito simplória de um leigo, mas não é a verdade.

Já vi e ouvi muitos disparates iguais a esse, mas vou contar somente mais um deles. Um dia, ainda em 2008, logo que tive alta do hospital, uma colega linguaruda da Câmara Municipal de Marabá, achegou-se de mim e – de forma a sugerir que eu ficara doente pelo fato de ser, às vezes, irritadiço – me disse: “É!... Agora, se quiser viver, tem que ficar mais calmo, não é?” Respondi, à altura, na hora: “Ah, é!... Não posso mais ficar zangado. Se tiver que matar alguém, vou matar. Mas, tenho que matar sem ter raiva, sem ficar zangado!” Ela meteu a viola no saco e se foi. Ah, vá perturbar outro da sua laia, sua doida!

Apesar de tudo isso, meu médico me disse que já saí do grupo de risco de morte súbita. Hoje meu risco em relação à morte súbita é o mesmo de qualquer outra pessoa. Acredito. Mas, é claro, se eu morrer subitamente a qualquer hora dessas, os babacas de plantão vão dizer que morri por ser zangado demais. Vão, sim, com certeza! Ah, pouco se me dá. Que se danem esses malucos.

domingo, 12 de agosto de 2012

O Dia dos Pais de 2012


Hoje são 12 de agosto de 2012, Dia dos Pais. Sim, para quem porventura não se lembra, hoje, segundo domingo de agosto, é comemorado o Dia dos Pais. Não poderia, pois, deixar de escrever alguma coisa, à guisa de registro da efeméride, porque sou pai e, principalmente, porque sou filho. Parabéns a todos os pais, pelo seu dia! Que me seja permitido, contudo, falar de um pai especial: o meu.

Meu pai, João Belizário de Souza, já não está entre nós. Deixou-nos dia 20 de janeiro de 2007, quando partiu para a eternidade, na viagem sem volta a que se sujeitam todos os mortais. Por mais que seja desnecessário dizer, eu o digo: foi um dia muito triste. Já o disse, aliás, na crônica “Ab imo pectore, meu pai”, que, à época, publiquei no jornal Correio do Tocantins e nos meus blogues, e, algum tempo depois, no volume IV da Antologia Literária Cidade.

Assim, como homenagem a todos os pais, mas, principalmente, ao meu pai, permito-me repetir o penúltimo parágrafo de “Ab imo pectore, meu pai”:

Ah, meu pai, como gostaria de descrever no texto mais lindo de todos, fosse em prosa ou em versos, seu caráter, sua pessoa, sua inteligência, seus sonhos de toda a vida que não se concretizaram, sua figura de homem pobre, simples, sofredor, mas, acima de tudo, lutador, sonhador, trabalhador impoluto, pai extremado!

Repito, demais disso, o período gramatical que encerra o último parágrafo da crônica “Preito de gratidão”, escrita na noite de 30 de dezembro de 2009, também publicada no jornal e nos blogues, bem como, depois, no volume V da Antologia Literária Cidade: “Não anseio por glória maior do que ser para meus filhos o herói que meu pai, João Belizário de Souza, pobre e analfabeto, foi e sempre será para mim!”

Emotivo – o que, talvez, se torna mais acentuado pelos medicamentos que tomo diariamente – não posso encerrar essa crônica sem o registro de que não consegui evitar as lágrimas, sozinho, aqui no meu cantinho de sempre. Não, não pude. Foi impossível, como impossível tem sido todas as vezes que releio “Ab imo pectore, meu pai”. Sim, eu chorei e choro, não por querer, mas por não poder evitar. “Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados”, diz a Bíblia (Mt 5.4).

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

A Rio Mais 20 e a Eco 92


Viveu-se outra vez a euforia de uma conferência ecológica internacional. Foi a muito pouco falada Rio+20, nome com que, abreviadamente, se chamou a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada na cidade do Rio de Janeiro, de 20 a 22 de junho de 2012. Convocada pela Organização das Nações Unidas, comemorou o aniversário de 20 anos da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, abreviadamente, Eco 92, daí o nome Rio Mais 20. O fato é que a Eco 92 foi muito mais falada que a Rio+20, não sei por que e tampouco quero saber. Não é meu propósito. Não venho aqui me aventurar nesse tipo de análise. 

Pois bem. Como costume fazer, guardo, zelosa e carinhosamente, um exemplar da edição especial da revista Veja sobre a conferência, qual seja, a edição 1.237, ano 25, n.º 23, com data de 3 de junho de 1992. A chamada de capa é “O MUNDO SE ENCONTRA NO RIO – Estrelas, temas e brigas da maior conferência ecológica da História”, e a revista, em longa reportagem e texto benfeito, dedicou as páginas 52 a 101 ao evento, que se realizou de 3 a 12 de junho de 1992. 

Megaconferência ou megarreunião, a Eco 92 foi inesquecível e apaixonante para quem a viveu de perto (e até mesmo de longe, como foi o meu caso). Aliás, na página 54, a revista já dizia que “as pessoas estarão impedidas de esquecer o Rio de Janeiro de junho de 1992”. Eu, conquanto tenha assistido de longe, aqui da Amazônia, pela tevê e pela imprensa, nunca o esqueci. Foi inesquecível, não há como negar. Dividiu, ainda que esse não fosse o propósito, a História em antes e depois da Eco 92. Não sei, todavia, se temos mais que comemorar, ou mais que lamentar. 

Não é que não tenham ocorrido mudanças para melhor em vários sentidos e segmentos: ocorreram, sim, mudanças significativas. O problema é que foram, não raro, muito tímidas, até porque demandam alterações de mentalidade, de cunho cultural, legal e de outros quilates, as quais necessitam de décadas para que se aperfeiçoem e produzam efeitos concretos, palpáveis. Tenho, por isso, esperança, que espero não seja malograda. Não é impossível, mas é indispensável o engajamento sério e permanente de todos os segmentos, porque não se trata tão somente da visão romântica ou alienada de ecologistas, mas, sim, do interesse de todos os humanos, por uma questão de sobrevivência com qualidade de vida.

“Os homens não sobreviverão se os oceanos morrerem”, aprendi isso nos anos dourados da adolescência. Mas, malgrado tudo isso, muitos, por exemplo, ainda praticam poluição sonora com equipamentos e instrumentos sonoros em alto volume e jogam, relaxada e descaradamente, lixo nas ruas e no rio, com a conivência, quando não a omissão, dos agentes de um Estado inerte, omisso, corrupto e criminoso. Ora, se isso ocorre em relação a tais práticas, que imaginar em relação às práticas criminosas ou contravencionais que envolvem altíssimos interesses econômicos e financeiros? É bom, sinceramente, nem imaginar! 

A despeito disso, por superficial que pareça, não é meu desejo aqui falar de acertos e desacertos ecológicos, esperanças e desesperanças nem, ainda, comparar, técnica e sociologicamente ou de qualquer forma, a Rio Mais 20 com a Eco 92. Não, não foi esse o meu propósito. Deixo essa análise para os mais experimentados e mais afeitos a essas tarefas. Queria apenas registrar ligeira e vagamente, como o fiz, no exíguo espaço desta crônica, as minhas reminiscências. Falando de conforto e meio ambiente, lembra-me sempre meu saudoso avô José Monteiro da Silva, que dizia gostar mesmo era de sombra e água fresca. 

Saudosista assumido, olho de vez em quando a edição especial da Veja, para matar (ou aumentar?) a saudade, não só da euforia vivida à época por todos, mas também de situações pessoais minhas: tinha 32 anos e acabara de sair de uma separação conjugal. Morava sozinho com a minha irmã caçula, Ednalva, e morria de saudade do até então meu único filho, Douglas, que contava apenas 5 anos e fora, pelas circunstâncias, levado de mim para Bragança, Estado do Pará, enquanto eu ficara em Xinguara, feito gato apaixonado na tapera. Eram tempos de esperança, embora também sentisse tristeza.

terça-feira, 24 de julho de 2012

O sentimento do mundo


Andei afastado esses dias do escrever: a crônica mais recente que escrevi e publiquei foi “As Exéquias de Valdeíra”, que saiu no Correio do Tocantins, edição 2.393, de 19 e 20 de julho de 2012. A imediatamente anterior foi “Meu erro, aliás, um deles”, publicada nos blogues em 13 de junho e no Correio do Tocantins, edição 2.378, de 14 e 15 de junho. Entre as duas, escrevi e publiquei nos blogues, dia 1.º de julho, o soneto “Reminiscências e desilusão”, que não saiu no jornal. Também publicado no Facebook.

Uma vontade quase mal-agradecida e sentimentos inconfessáveis impediram-me esses dias de produzir uma insignificância literária que fosse. Nada escrevi, nada publiquei. Ler, também li muito pouco, porque não tinha vontade e concentração, pelos mesmos motivos também inconfessáveis, embora não sejam lá tão escabrosos, como, por certo, o leitor estará a pensar. São pecadilhos, que não chegam a pôr em perigo a existência da humanidade, conquanto, bíblica e teologicamente falando, todo o pecado seja condenável. Que ouse atirar-me a primeira pedra o santo que não tem pecados. Isso também é bíblico.

Não gosto de políticos bandidos e desonestos, mas eles pululam e dão as cartas na minha cidade, no meu estado e no meu país – Marabá, Pará e Brasil, para ser exato. Não gosto de autoridades omissas e corruptas, sejam elas de que segmento forem, mas elas vivem a dar as cartas e trombar fisicamente umas nas outras, tão assustadoramente grande é o seu número. Evocando, por isso, os belíssimos versos de Luís Vaz de Camões, “calar-me-ei somente / que meu mal nem ouvir se me consente.”

Pois bem. Até para dar uma luzinha (no fim ou no começo do túnel, sei lá), vou confessar que, por exemplo, às vezes tenho uma vontade quase incontrolável de matar gente sem-vergonha, miserável, ordinária mesmo, que vive a meditar sobre como fazer o mal e prejudicar o próximo. Sim, é verdade! Mas não sou o único a sentir isso e esse não é o meu único pecado, claro. Há muitos outros, talvez considerados mais cabeludos. Eu sou um poço de imperfeições, confesso. O apóstolo Paulo, aliás, dizia-se o pior e mais miserável dos pecadores (1 Tm 1.15).

Não sou, com efeito, melhor do que Paulo, o apóstolo dos gentios. Aliás, tenho a convicção de que não seria digno de lhe desatar a correia das alpercatas. Vivo por mim, pelos meus (parentes e amigos, claro), próximos e distantes. “Tenho apenas duas mãos / e o sentimento do mundo”, como dizem os versos drummondianos do poema “Sentimento do mundo”, que tanto aprecio. “Vivo sem vontade neste admirável mundo de heróis e vilões”, para tomar emprestada aqui a bela afirmação de Carlos Heitor Cony, na crônica “Admirável mundo antigo”. Pouco, muito pouco mesmo, se me dá que quem quer que seja aja e pense diferentemente.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

As Exéquias de Valdeíra


Cheguei: moro aqui, estou em casa. Essa é, para mim – como creio ser para todas as demais pessoas – a etapa mais aprazível de toda e qualquer viagem. É a alegria do retorno, que se faz acompanhar pela segurança do estar em casa. Nada é melhor do que isso, claro: nem mesmo as descobertas e emoções da melhor viagem do mundo.

Pois bem. Fui a Imperatriz, Estado do Maranhão, sábado, dia 14, anteontem e voltei hoje, dia 16, desembarcando exatamente às 14h28min, no Terminal Rodoviário “Miguel Pernambuco”. Viagem triste para mim, porque fui participar do velório e sepultamento de Valdeíra Guimarães, filha de Francisco Rodrigues Tavares, meu amigo e mais que um irmão.

Valdeíra era uma jovem senhora, que morou e trabalhou em Portugal durante uns sete anos e agora resolvera regressar, voltando para o Brasil. Não teve, contudo, o prazer de dizer o “cheguei: moro aqui, estou em casa”, porque faleceu lá. Adoeceu em dezembro de 2011, uma semana antes de voltar e, depois de aproximadamente sete meses em coma, faleceu em Caldas da Rainha. Deixou marido e filhos com o legado da tristeza que já não pode ser consolada.

Valdeíra e seu pai almoçaram em minha casa, em julho de 2005, dois dias antes da ida dela a Portugal. E, embora eu nunca mais a visse com vida, voltou ao Brasil, depois disso, algumas vezes, sempre alegre, cheia de vida e de muita esperança. Não teve, todavia, o prazer do regresso definitivo com vida para junto dos seus: voltou morta, encerrando tristemente sua existência e deixando-nos a sofrer por sua ida de nosso meio.

O féretro chegou a Imperatriz seis dias após o óbito. Começamos o velório exatamente às 2h35min, já na madrugada de domingo, dia 15. Choramos a dor inconsolável de seu desenlace, porque inconsolável é sempre a morte de entes queridos, e a sepultamos. O sepultamento – sete dias após o desenlace – foi pouco depois das 17 horas, encerrando o hercúleo e de todo louvável esforço da família, capitaneada pelo Dr. Jetete Guimarães Tavares, irmão dela, para trazê-la de Portugal e sepultá-la entre os seus.

Valdeíra, filha de Francisco com dona Lídia, pertencia a três grupos de irmãos, a saber: os irmãos apenas de mãe, do primeiro relacionamento de Lídia; os irmãos de pai e mãe, frutos do primeiro casamento de seu pai, dentre os quais sobressai o Dr. Jetete Guimarães; os irmãos de pai, gerados do segundo casamento do Francisco.

Sou, com honra indizível, amigo do último grupo familiar citado, ou seja, dos filhos do Francisco com a Vera, falecida há dois anos: Héber Sansão, Priscila, Áurea Lúcia e Hete Maom. Amo esses meninos (já nem tão meninos assim, mas homens e mulheres), porque, como amigo dos pais deles, acompanhei-lhes a gestação e os vi nascer e crescer. Eis aí a razão da minha dor e, por conseguinte, da viagem unicamente para participar das exéquias, em outra cidade e outro Estado.

Saí de Imperatriz sem abraçar a Priscila e a Áurea, porque ainda dormiam. Abraçando, contudo, o Francisco e o Hete, pedi a eles que as abraçassem por mim. Acompanhado por eles até o embarque, a despeito da vontade imensa de voltar para os meus em casa, não pude deixar de – emotivo – evocar silenciosamente as palavras de Khalil Gibran, em O Profeta: “Como partirei em paz e sem sofrimento? Não, não deixarei esta cidade sem uma ferida na alma.”