quinta-feira, 11 de março de 2010

Nostalgia



Marabá, Pará, Amazônia, Brasil: um lugar no cosmos, um pontinho obscuro no Universo. São 10h do dia 11 de março de 2010. Acabo de chegar à Marabá Pioneira – que, para mim, será sempre apenas Marabá – uma das minhas muitas paixões. Chego, precisamente, ao Palacete “Augusto Dias”, sede da Câmara Municipal, também um dos meus amores, onde exerço a minha doutrina, como operador do Direito. Estou chegando, cheio de ânimo, para mais um dia de expediente.

O táxi-lotação me deixa na Renovar, onde, sempre que tenho mais tempo, gosto de descer, pegar a Travessa Carlos Leitão, que me leva à Praça Duque de Caxias, tão linda, tão gostosa, tão amada, como não me canso de dizer. Pego a praça, encosto rapidamente na banca de revistas do Edvan, para cumprimentá-lo e olhar os jornais do dia.

Somente depois disso é que sigo, devagar, para o prédio da Câmara, como de costume o faço. Olho – embevecido como sempre – a praça e seus transeuntes, suas árvores e seus prédios (minha loja, a Loja Maçônica “Firmeza e Humanidade Marabaense”, a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil, os Correios, a Igreja Evangélica Assembléia de Deus, o Baratão e tantas outras casas comerciais e prestadoras de serviço). Sei que para muitos isso não tem qualquer sentido, é besteira, tolice ou coisa que o valha. Tudo bem, não há problema, mas para mim tem um sentido especial. É muito gostoso, um deleite mesmo, contemplar (no iniciar do dia, mas pode ser no findar também) a mistura inebriante do urbano com o bucólico, uma simbiose da beleza com a vida, que me reconforta sempre. Gosto de começar assim o meu dia!

No Palacete, a alegria, como sempre, do encontro diário com a Alda Maria, a dona Turmalina (também minha cunhada de Maçonaria, mulher do meu irmão João Alberto Arraes), o Fontes, o Aquiles, a doutora Rose (Rose Clair Abbady), o Degas (Dr. Sebastião de Jesus Souza Castro, procurador jurídico como eu) e tantos outros colegas, por quem tenho profunda estima. São pessoas que fazem parte da minha vida, desde 1.º de abril de 1998, quando assumi a vaga conquistada no, para mim, memorável concurso de agosto de 1997, que logrei vencer em primeiro lugar.

Tomando o cafezinho na sacada do primeiro andar que dá para a praça (há outra pequena sacada, na direção do templo da Matriz), encontro o Degas e o amigo comum João Clésio Sales Moreira, o Cabeça Branca ou Cumpade Cabeça, acompanhados de um desconhecido, que me foi apresentado: Joaquim Rodrigues da Silva, seu Mozinho, irmão do Antônio Caboclo, lá da zona rural de São Domingos do Araguaia, hoje morando em Santarém. Ele e o Cumpade Cabeça foram vítimas da repressão política, na Guerrilha do Araguaia. Mozinho ficou preso durante meses e chegou a sofrer um tapa e coronhadas de fal, desferidos por um torturador (fal, se não engano, é a sigla de fuzil automático leve), e o Cumpade Cabeça foi demitido do emprego no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), depois Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins (Getat).

Da apresentação e conversa com seu Mozinho, a nostalgia profunda: ao longo de mais ou menos trinta minutos, relembramos episódios de São Domingos do Araguaia e o nome de várias pessoas ligadas aos anos da minha infância na zona rural de São Domingos, tempos que, irremediável e teimosamente, me abandonam e ficam cada dia mais distantes. Depois da conversa, o rabisco apressado desta crônica! Não poderia deixar guardada no coração tanta nostalgia, porque seguramente me faria mal. Ele, seu Mozinho, que é 21 anos mais idoso do que eu, conheceu meu pai, meu avô, meus tios e muitos outros parentes e amigos da minha família, naqueles tempos e lugares!

Mozinho e Cumpade Cabeça, como muitas outras pessoas da época, ainda esperam por processos de anistia que, tais quais as tartarugas, se arrastam morosamente, na esfera administrativa, perante o Ministério da Justiça do Brasil. Esperam, reabilitados perante a nação, um dia receber a recompensa financeira que ao menos lhes amenize a dor dos danos morais pelos sofrimentos do passado. Tomara que consigam! O número do processo do Cumpade Cabeça, o qual me pede que o consulte pela internet quase todos os dias, é 2002.01.06565. Ufa!... Haja coração para tantas lembranças!

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