segunda-feira, 15 de setembro de 2008

O CARDIOPATA

Domingo, 31 de agosto de 2008, fui internado no Hospital Climec (é este mesmo o nome que consta do receituário: Hospital Climec), onde fiquei até as 21 horas da terça-feira, 2 de setembro. Raios-X do tórax, remédios injetáveis e comprimidos para sair da crise de hipertensão arterial e do seu natural efeito, a dispnéia ou falta de ar. Muita incerteza, indefinição, angústia e medo, entremeados de momentos de esperança. Somente uma certeza: estava enfermo e necessitava de internação hospitalar sob os cuidados profissionais de médicos e enfermeiros.

Segunda-feira e terça, passada a crise, consulta com o cardiologista, exames de sangue e de urina, eletrocardiograma, ecocardiograma e por fim o diagnóstico terrível e assustador: uma cardiopatia grave, insuficiência cardíaca congestiva (ICC). Meu coração está muito dilatado, crescido, por uma causa ainda desconhecida. Sou ou estou cardiopata? Para mim, estou; para o médico, sou cardiopata, o que faz diferença de ambos os lados. “Quando os homens não podem mudar as coisas, mudam as palavras”, bem escreveu Jean Jaurès, classificado como “um professor, um doutrinador” por Friedrich Engels.

Como não poderia deixar de ser, foi muito triste para mim a confirmação do diagnóstico. Era noite e eu estava sozinho, pois, forçados pelas circunstâncias e, portanto, à revelia da nossa vontade, nem a Câmelha, minha mulher, nem o Douglas, meu filho de 21 anos, estavam comigo. E, a despeito de todo o zelo do médico, Dr. César Rodriguez Montes, na transmissão das informações e do meu esforço para não demonstrar pânico, a confirmação não deixou de ser sombria e macabra, tão invasiva como se fora um instrumento perfurocontundente a me rasgar o peito naquela fria hora da noite. Habituado, desde criança, a ouvir dizer e mesmo a pensar que doença cardíaca é o fim, senti morrerem ali todos os meus sonhos até então acalentados, sonhos que, aliás, nunca foram somente meus, mas também dos meus parentes e amigos. Nada ao meu redor tinha sentido.

Após me dar as orientações que julgou necessárias, o médico saiu do apartamento, dizendo-me que deixaria com a enfermeira a receita dos medicamentos que deveria tomar e a requisição dos exames que deveriam ser feitos. Como se o mundo ruísse, fiquei quieto, imóvel, estático, como se me sentisse morto.Três minutos? Cinco minutos? Dez, talvez? Sei lá... pareceu uma eternidade. Pensando na existência sofrida do meu pai e do meu irmão Raimundo, que já faleceram, revisitei mentalmente, em um átimo, a minha infância e adolescência em meio às árvores da floresta, minha juventude, meus sonhos, minhas esperanças de toda a vida até aqui. E encontrei muito mais tristezas, sofrimentos e sonhos malogrados do que alegrias e realizações. Éramos eu, o quarto de hospital, a dor e a sensação de impotência e de fracasso!

Bateram na porta e despertei do torpor que tomara conta de mim. Era a enfermeira. Mais um dos amáveis rostos anônimos que, dedicada e bondosamente, cuidaram de mim naqueles dias de internação. Vinha, portando a receita médica e as várias requisições de exame laboratoriais que me entregou, dizer-me que recebera alta e já poderia voltar para casa.

Reagi: não estava morto, como graças a Deus não estou. Estou apenas cardiopata, ainda que em estado grave, como me deixou bem claro o cardiologista, mas a vida continua. Pelo menos, eu espero. “Em tudo na vida, a certeza quase sempre não passa de mero engano”, como diz (aliás, escreveu) sabiamente Pasquale Cipro Neto.