quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

O Dono da Lua



Andei relendo, dia de Ano-novo, crônicas de Carlos Heitor Cony, Carlos Chagas, Zevi Ghivelder e Josué Montello, em algumas revistas Manchete de 1990 e 1991, que guardo como verdadeiro tesouro. Reli, dentre outras, as crônicas “O hímen idôneo”, “O chá das peruas”, e “Hora e vez da raspadinha”, de Carlos Heitor Cony. De Carlos Chagas, um realce para a crônica “A história de uma ignomínia”, sobre a infame cassação do mandato e dos direitos políticos de Juscelino Kubitschek. De Josué Montello, a crônica “Riso e drama dos pequenos anúncios”. Gosto de reler meus livros, jornais e revistas.

Antes li a Bíblia Sagrada. Minha primeira leitura de 2008 (em casa, ainda durante a madrugada, após a ceia, na Igreja Presbiteriana) foi Efésios 4,4-6, na versão revista e atualizada no Brasil da tradução portuguesa de João Ferreira de Almeida, segunda edição, publicada pela Sociedade Bíblica do Brasil. Dizem esses versículos, em continuação ao texto do versículo 3: “há somente um corpo e um Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos.”

E as crônicas? Bom, as crônicas são todas excelentes (sei lá, pelo menos, eu acho), mas não dá para comentá-las aqui, por falta de espaço. Daí, vai apenas um rasgo da crônica “O hímen idôneo” (Manchete de 8 de junho de 1991), que se ocupa do anúncio de um hímen (hímen idôneo, ressalta o anúncio) posto a venda. Uma virgem de Minas Gerais, que se oferece por Cr$ 200.000,00, quantia que (para quem não se lembra da moeda ou não a conheceu) se lê: duzentos mil cruzeiros.

Veja, leitor, a elegante ironia do cronista: “Honestamente, encarei a oferta com naturalidade e, embora sem interesse pessoal na oferta, continuei na minha, muito mais preocupado com os meus problemas do que com a venda de um hímen das Alterosas. Afinal, há discreto comércio de rins, fígados, olhos, pâncreas, piloro (não tenho certeza se vendem piloros no mercado, mas um dia chegaremos lá). Nada de admirar que uma donzela mineira, e idônea ainda por cima, ofereça sua intacta membrana aos potenciais consumidores de um artigo que tradicionalmente tem estoques regularizados.”

Outro texto que reli foi uma pequena reportagem sobre o dono da Lua. Sabia, por acaso, o leitor que a Lua tem proprietário, com registro em cartório de imóveis e tudo? Aliás, nem era preciso falar em registro, já que, ao se falar de proprietário de imóvel, fica sempre implícito que há o registro. “Quem não registra não é dono”, diz a máxima jurídica. Pelo menos no Direito Civil Brasileiro, porquanto, segundo nosso Direito Positivo, a transferência da propriedade imóvel somente se dá com a transcrição da compra e venda no registro de imóveis. “Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”, diz, por exemplo, o art. 1.245 do Código Civil de 2002, em vigor.

Pois bem. A Lua, que contemplamos de longe (às vezes, até parece muito perto, é verdade; mas é apenas ilusão ótica), o satélite da Terra, é propriedade do advogado, violinista, poeta e escritor chileno Jenaro Gajardo Vera. Está escrito (transcrito, como dizemos no linguajar jurídico) no Registro de Imóveis de Talca, no Chile. Saiu na Manchete de 16 de junho de 1990, sob o título: “O Dono da Lua”. (É lógico. Tinha de ser um advogado. E, ainda por cima, poeta.)

Imagino a perplexidade do tabelião, diante do inusitado pedido de registro. Contudo, por fim, ele se rendeu às evidências e concluiu (diz a Manchete): “Mas o senhor está certo, a Lua tem fronteiras e dimensões, pertence à Terra e ainda não foi registrada. O senhor deve publicar três comunicados no Diário Oficial e se não houver objeção alguma até o terceiro dia, a Lua é sua.” Assim foi feito. E o doutor Jenaro Gajardo Vera tornou-se dono da Lua, mediante registro imobiliário com efeito erga omnes. “Efeito erga omnes”, na linguagem jurídica, quer dizer “efeito oponível contra todos”.

Pois é. Registro com efeito erga omnes, sim senhor! Tanto é que o presidente norte-americano Richard Nixon, em 1969, enviou a Jenaro o seguinte telegrama: “Em nome do povo dos Estados Unidos, lhe peço permissão para os astronautas Aldrin, Collins e Armstrong pousarem no satélite que lhe pertence.” É muita moral, meu! É mole, ou quer mais, mano velho?

Aliás, também reli (não na Manchete, mas na Veja: retrospectiva de um quarto de século, 25 anos, parte integrante da edição 1.311 da revista Veja, de 27 de outubro de 1993), a carta de renúncia de Richard Nixon, enviada ao então Secretário de Estado Henry Kissinger, em 9 de agosto de 1974. Seu texto, abaixo da data e do timbre da Casa Branca: “Dear Mr. Secretary: I hereby resign the Office of President of the United States. Sincerely, Richard Nixon.” Em Português: “Prezado Senhor Secretário: Por este meio, renuncio ao cargo de presidente dos Estados Unidos. Atenciosamente, Richard Nixon.” Como se vê, não foi uma carta, foi um bilhete. Do ponto de vista da dimensão física, é claro.

Por hoje, é só. Como escrevi, em 16 de outubro de 2006, em “Assuntos para meu blog”, comentar minhas leituras pode ser chato, ou porque são muitas, ou porque os assuntos lidos não são amenos para muita gente. E talvez nem sejam interessantes. Há, contudo, leitores que gostam, o que por si só é suficiente.

Feliz 2008 para todos, leitores e não leitores!

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