quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Apenas um bocado de pão



“Porque o preço da prostituta é apenas um bocado de pão, mas a adúltera anda à caça da própria vida do homem”, diz Provérbios 6,26, na versão revisada da tradução portuguesa da Bíblia Sagrada por João Ferreira de Almeida. Datas como Dia da Criança, Natal e Ano-novo ou Ano-bom, em que se acerba o consumismo material, me lembram muito esse texto, quando penso nos pobres, cativos e oprimidos, desapossados e feridos de alma, tão cruamente representados na pessoa da prostituta.

A finalidade do texto, obviamente, não é a defesa da prostituta em si nem da prostituição, mas a condenação do adultério. Os favores sexuais da prostituta, que não raro representam enorme sacrifício para ela, custam muito pouco a quem os procura (“apenas um bocado de pão”), ao passo que os da mulher do próximo, não obstante tragam prazer para ela, custam caro ao homem que os procura, isto é, “a própria vida”.

Não é isso, contudo, o que mexe comigo. O que sempre me comoveu foi pensar que, desde tempos imemoriais, milhões e milhões de mulheres em toda a Terra alugam o corpo por pouco mais ou nada, não para que tenham satisfeito o seu desejo sexual, mas por não terem outro meio material de sobrevivência. Fazem-no, obrigadas, tão-somente pelo pão! Conheci pessoalmente prostitutas sofridas, de alma dilacerada, pela vida de miséria, notadamente do ponto de vista emocional, a que foram empurradas por circunstâncias e fatores diversos.

O apóstolo Paulo, escrevendo ao jovem pastor Timóteo, em 1 Timóteo 5,3, exorta a Igreja a distinguir as viúvas verdadeiramente viúvas, a saber, as que perderam o marido e não têm família que as sustente nem podem casar novamente por causa da idade avançada, o que as torna inteiramente dependentes da diaconia, do sustento provido pela comunidade da Igreja. Fazendo aqui um paralelo (sem elogio fácil e sem o intuito de ofender a quem quer seja), penso que é preciso distinguir as prostitutas lascivas, que entregam prazenteiramente o corpo por incontinência carnal, das prostitutas verdadeiramente prostitutas, que, com repugnância e tristeza, se alugam por um pedaço de pão. Aquelas sentem prazer no que fazem sem necessidade. Estas sofrem e sentem vergonha, além do nojo de si mesmas, pelo que são compelidas a praticar pela mera sobrevivência.

Não defendo a prostituição. Longe de mim o fazer isso. Apenas tenho dó de quem se prostitui forçadamente por não ter outro meio de subsistência. Também considero indignos e verdadeiramente abjetos os homens ou, modernamente, mulheres que se aproveitam da miséria de tais pessoas, como se fossem objetos descartáveis, para darem vazão à sua lascívia e luxúria.

Desde quando, adolescente, passei a trabalhar na olaria contígua à zona do baixo meretrício, em São Domingos do Araguaia, Estado do Pará, minha cidade natal, sempre tive compaixão das prostitutas verdadeiramente prostitutas, porque, sem querer, são vistas como a escória da sociedade e, por isso, rejeitam-se a si mesmas e sofrem, calada e calejadamente, na alma. Jesus Cristo, o Filho de Deus, também teve compaixão delas, como de todos os marginalizados, que sofrem por se reconhecerem como tais. Provas bíblicas? Mateus 9,10-12, Mateus 21,31, Lucas 18,13-14, dentre outras tantas.

Neste fim de 2007 e sempre, minha solidariedade, ainda que tão pequena, às prostitutas verdadeiramente prostitutas, que foram empurradas pela vida a tão cruel situação e dela não conseguem sair por causa da hipocrisia e da falta de solidariedade tão da índole da maioria dos humanos, as quais se sentem indignas dos sentimentos mais puros e, diariamente, são aviltadas, vilipendiadas e feridas na alma por pessoas que são tão ou mais pecadoras do que elas, mas aos próprios olhos se vêem dignas e puras.

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